Cheguei à casa do pai de santo cheia de curiosidade e um tanto ansiosa. Era a primeira vez que iria consultar os búzios e queria muito saber quem eram meus orixás protetores e ter previsões para o ano de 2010, que se iniciava.
Ele me explicou que, como não me conhecia, começaria perguntando ao oráculo sobre fatos marcantes do meu passado, para entender melhor o meu presente e, só depois, falar de algumas possibilidades de futuro. Não estava nos planos aquele momento retrospectiva, mas concordei.
De olhos fechados, ele sacudiu as conchas nas mãos, fez suas orações e as jogou sobre um cesto de palha rodeado de guias e pedras. Ao ver o resultado, fez cara de assustado, arregalou os olhos e me perguntou:
– Aborto, eu? Não – respondi assustada.
– Tem certeza?
– Claro que tenho.
Ele jogou os búzios novamente. Mais um vez arregalou os olhos e insistiu:
– Pode ter sido um aborto espontâneo…
– Não, nunca.
– Às vezes acontece e a mulher nem percebe…
– Olha, tenho certeza absoluta de que nunca engravidei – retruquei impaciente.
E aos dois minutos de consulta, eu já me arrependia de estar ali. Comecei a achar que ele era charlatão e estava bem irritada com o tom pessoal e íntimo das perguntas. Além disso, na época, eu era a freak do anti-concepcional: tomava pílula e usava camisinha em absolutamente TODAS as relações, mesmo namorando. Só não coloquei DIU como proteção adicional porque o médico me convenceu de que não havia necessidade.
Ele respirou fundo, jogou os búzios pela terceira vez, fez a mesma cara e mudou a pergunta. Mas não o tema:
– E a sua mãe? Ela teve algum aborto espontâneo antes de engravidar de você?
– Não. O que sei é que minha mãe engravidou inclusive bem antes do planejado, quando minha irmã tinha apenas seis meses. Não houve tentativas anteriores.
Aí quem se irritou foi o pai de santo:
– Olha, minha filha, não é possível! Os búzios estão dizendo que existe um aborto na sua vida! Que você presenciou uma morte dentro do útero. E isso é muito marcante na vida de uma pessoa. Me conte melhor como foi essa gravidez….
Foi então que lembrei de uma história que um dia minha mãe contou por acaso, sem dar muita importância. Ela disse que quando engravidou, o médico informou ao ver o primeiro ultrassom que ela teria gêmeos. A gestação dupla, porém, durou pouco… depois de alguns meses, ela teve um sangramento forte, foi ao médico, fez um novo ultrassom e soube que, infelizmente, tinha perdido um dos bebês. Mas o outro seguia ali firme e forte (eu, no caso).
Quando falei isso, o homem ficou branco. Falou que era este o fato que os búzios tanto apontavam. E durante mais de um hora, ele me explicou sobre a importância de tudo o que vivemos dentro do útero, as consequências daquela experiência na minha vida e sobre como eu deveria ser grata pela minha existência.
Saí da consulta bastante abalada. Nunca (mas nunca mesmo) poderia imaginar que aquela história tinha alguma relevância na minha vida. Muito menos que seria a causa de questões dolorosas e profundas da minha personalidade. Desde então, foram muitas pesquisas, experiências e processos terapêuticos que me ajudaram (e ainda me ajudam) a entender melhor o que essa perda de fato significou pra mim.
Na internet, descobri que em alguns países existem grupos de apoio a pessoas que perderam irmãos gêmeos. Li diversos relatos que descrevem dores parecidas e bem familiares pra mim: sentimento de não merecimento, uma solidão profunda e, principalmente, a sensação de que algo muito importante está faltando. Muitos depoimentos eram de pessoas que, assim como eu, nem sequer conheceram o irmão gêmeo, que ficou no caminho da gestação ou do nascimento.
Em uma leitura de aura sobre a minha gestação, descobri que o trauma da separação ainda estava muito forte no meu inconsciente. E que a conexão de alma gêmea, que eu romanticamente tanto buscava em meus companheiros, era na verdade uma busca pela união que tinha vivido um dia no útero. E que era preciso curar a ferida pra conseguir ter um relacionamento real e não idealizado.
Com a constelação familiar, tive a incrível oportunidade de olhar pra esse irmão, que passou quase despercebido pra minha família, mas que ainda estava tão intimamente ligado a mim. Pude olhar pra ele, reconhecê-lo, agradecê-lo e dar-lhe um lugar de muita honra. Senti um alívio tão grande que é difícil descrever com palavras. Foi como se tirasse uma mochila cheia de chumbo das minhas costas, que eu nem sabia que carregava.
Nas sessões de respiração de renascimento, “voltei” para o útero e senti no corpo físico a dor da separação e da perda. Foi como se tivesse voltado no tempo e terminado de sentir uma dor que, de tão grande, precisou ser digerida em etapas. E ainda está sendo.
E cada vez que investigo um pouco mais, me descubro um pouco mais. Me entendo. Novas peças se encaixam, mudanças acontecem.
Descobri que, apesar de traumática, a experiência me trouxe uma enorme capacidade de entender a dor do outro, uma facilidade enorme de sentir compaixão. É como um presente que foi deixado pelo meu irmão. E que eu nunca teria descoberto se não tivesse ido atrás dessa história. Se não tivesse tentado entender minhas próprias dores.
E junto com esse presente, veio a percepção de que nossas feridas são como valiosas chaves, que nos abrem portas secretas para a transformação. E ter coragem de abri-las é o caminho para curar a alma. É se apropriar da própria história.
Finalmente entendi, como o pai de santo já tinha me avisado, que nem adianta querer saber do futuro sem antes entender o passado. Sem saber direito quem se é. Auto-conhecimento é, na verdade, um grande investimento. E um futuro mais bonito é apenas consequência.
Comments (17)
De, temos mt em comum..Li seu texto e poderia dizer que essa história tb é minha <3
Descobri em Piracanga que eu tive um irmão gêmeo e sofri muito qd ele partiu. Fizemos um resgate e foi lindo.
Gratidão por me proporcionar a possibilidade de reviver aquele momento.
Bjs
Olá Fernanda,
Estou muito feliz em ter encontrado isso tudo aqui e vocês com a mesma experiência da geração gemelar. Quero muito formar um grupo whats para fomentarmos a possibilidade de, quem sabe um dia, nos encontrarmos pessoalmente… sei la´… trocar figurinhas! Veja meu comentário logo abaixo e entre em contato pelo whats para formarmos o grupo! Abração gêmeo!
Tenho 37 anos, e decidi me entender melhor.
Tive uma irmã gêmea abortada, e por isso decidi iniciar minha pesquisa para auto entendimento com esse tema.
Estou muito surpreso com o que eu li, mas não sei o caminho para evoluir.
Como fazer?
Débora, li sua narrativa com dificuldade de respirar… minha maça na garganta engrossou…
Desde 2010 sou ajudado e ajudo no campo da constelação sistêmica. Tenho aprendido muito…
Tenho um casal de filhos. Não sei se sou eu ou meu pequeno que esta na mesma situação…
Em minha pesquisa li que 1/4 da população passa por esta situação e não se dá conta.
Vou colocar no campo… grato…
Oi Sidney! Já li também que muita gente tem esse histórico de um irmão gêmeo perdido e não se dá conta. Acho que colocar isso no campo pode contribuir muito com o trabalho. Obrigada. Abs
Olá Sidney,
Estou muito feliz em ter encontrado isso tudo aqui e vocês com a mesma experiência da geração gemelar. Quero muito formar um grupo whats para fomentarmos a possibilidade de, quem sabe um dia, nos encontrarmos pessoalmente… sei la´… trocar figurinhas! Veja meu comentário logo abaixo e entre em contato pelo whats para formarmos o grupo! Abração gêmeo!
Olá me chamo Monique e recentemente soube que sou gêmea sobrevivente ainda não sei mas talvez de dois gemelares não sobrevivente se tiverem um grupo por favor me insere quero saber mais e se.puder me dar informações sobre a técnica de reapicao do renascimento. Tenho feito constelação e microfisioterapia.
Olá Débora,
Vivi a mesma experiência. O meu processo de descoberta começou durante uma conversa informal com uma miga consteladora numa cafeteria. Eu falava a ela do sentimento de solidão e incompleteza que me devorava de vez enquando… de repente ela olhou para e disse: acho que você é gêmea solitária. Perguntei o que era… ela falou rapidamente… Isso foi confirmado 4 vezes devido à grande importância do tema para mim e a necessidade de ter absoluta certeza. Por tr^ss vezes fui atendida por terapeutas de biomagnetismo e depois fui constelada. Li muito, inclusive o livro magno escrito por dois pesquisadores, “O gêmeo solitário” de Peter Bourquin e Carmen Cortez, e pareceu-me ter sido eu uma das pessoas estudadas para resultar naquelas afirmações. Enfim, concluo como você: uma dor imensa e uma força amorosa incalculável me movem. A cada dia me aproprio da minha solidariedade constitucional e dou asas ao exercício da empatia para com as pessoas ao meu redor. Gostaria de conhecer pessoalmente pessoas com a mesma experiência ou pelo menos criar um grupo whats para trocarmos nossas descobertas e evoluções. Eu moro em Londrina-PR. Entre em contato para formarmos o grupo! 43 99635 7379
Oi Raquel! Tudo bem? Fico muito feliz com o seu relato. Também conheço este livro, “O gêmeo solitário” e é incrível, né? E também gosto da ideia do grupo, vou te adicionar para conversarmos. Abs
Olá Fernanda,
Estou muito feliz em ter encontrado isso tudo aqui e vocês com a mesma experiência da geração gemelar. Quero muito formar um grupo whats para fomentarmos a possibilidade de, quem sabe um dia, nos encontrarmos pessoalmente… sei la´… trocar figurinhas! Veja meu comentário logo abaixo e entre em contato pelo whats para formarmos o grupo! Abração gêmeo!
Ola. Tb me descobri gemea solitaria e, caso montem o grupo tb gostaria muito de fazer parte para compartilhar esses sentimentos tao dificeis de compreender.
boa noite, fico feliz em encontrar aqui relatos muito parecidos com o meu. tenho trinta anos e a pouco mais de 07 anos a morte é tema de constante reflexões em minha vida. Minha irmã gêmea idêntica morreu ainda no ventre de minha mãe. as vezes acho que um pedaço de mim tb se foi, ´é um sofrer constante e uma falta de amadurecimento real, como algo tivesse interrompido. Busco de varias formas me curar, se conhecer é lindo, mas não romantizo a experiência, acolho. adoraria conhecer vcs!
Incrível, não é? Descobri há pouco mais de um mês que sou gêmea solitária. Foi maravilhoso reencontrar e sentir a alma da minha irmã ou irmão no campo da constelação. Desde então, tudo mudou. Não consigo colocar em palavras. Minha vida passou a fazer sentido, inúmeros sentimentos desapareceram e outros vieram. Me sinto completa. O diagnóstico de TDAH foi recebido por mim que estou estudando pedagogia sistêmica como déficit de localização, e então, no campo vi que realmente eu não estava no meu lugar , pois eu não sabia dessa alma gêmea. Resultado, o próprio psiquiatra disse que meu caso curou, não era para usar o medicamento ! Pensa! É maravilhoso! Obrigada por compartilhar sua história.
Que incrível Keila! obrigada por compartilhar 🙂
Olá Débora,
Sou há cerca de 2 anos que tenho um irmão desvanecido. Desde então procuro a cura desse trauma.
Sou de Portugal e também gostaria de entrar nesse grupo.
Obrigada pela sua partilha!
Olá Sandra! Entrei em contato contigo por email, ok? Abraços
Agradeço profundamente seu texto, este depoimento. Estou ainda na descoberta dessa mesma constatação, que tive um irmão desvanecido no utero e como isso explica muitos sentimentos e a minha vida toda. Obrigado, gratidão.