Eu estava em Manaus, de férias com meu namorado e um amigo dele nos convidou para participar de uma reunião da UDV (União do Vegetal), uma das religiões que bebem Ayahuasca.
Eu já tinha ouvido falar do chá, mas nunca tinha pensando em tomar. Sempre tive o estômago muito sensível e tinha receio de vomitar, ter piriri, ou dar algum bafão desse tipo. Reações desse tipo são bens comuns. Mas eu estava na região da floresta amazônica e achei que a oportunidade não poderia ser melhor.
Fomos de carro até um sítio lindo, a cerca de uma hora de Manaus. Ao chegar lá, senti uma energia muito boa. A mesa de madeira com uma toalha de renda branca, copos de água e flores me lembravam um centro espírita, mas com um clima bem mais leve e acolhedor. Cheio de árvores e natureza em volta e cadeiras aconchegantes pra sentar. Na ponta da mesa, um arco azul com estrelas e cometas pintados de dourado, com as iniciais da UDV, simbolizava uma espécie de altar. Estava muito feliz de estar ali.
Antes de começar a sessão, todos se sentaram e os mais experientes foram chamado para compor a mesa. O coordenador da sessão fez uma fala de abertura e distribuiu um copo de chá para cada pessoa. Para a maioria dos frequentadores, ele deu um copo americano quase cheio. Para mim, estreante, ele deu metade.
E antes que todos tomassem, o mestre do grupo foi passando para “acertar” a dose de cada um, colocando ou tirando um pouco de chá quando achava necessário. Ele olhou bem pra mim, pegou meu copo e tirou metade do que tinha lá. Fiquei meio frustrada. Achei que tomando só aquilo, não fosse sentir nada. Mas, enfim, estava feliz só de estar ali.
Tomei o chá e sentei. Nos primeiros dez minutos, tudo ia muito bem, estava normal. Mas pouco depois, comecei a me sentir muito estranha. Meu corpo ficou totalmente mole e meio adormecido. O ponto central da minha testa (terceiro olho) começou a latejar. Não conseguia mais controlar meus pensamentos e comecei a ter muitas visões.
Eu olhava para as pessoas ali sentadas e, ao mesmo, quando fechava os olhos, via o espírito de todo mundo. Estavam todos sentados, na mesma ordem que estavam ali fisicamente, mas tinha uma porta atrás de cada um. E gradualmente, as portas iam se abrindo e elas caiam num poço de luz. Fui ficando assustada.
Nesse momento, o coordenador da sessão passava em cada cadeira pra conversar com os participantes e ver como cada um estava. E novamente, tudo o que eu enxergava no plano físico, eu também via no plano astral. Era surreal.
Quando chegou na minha frente, ele me olhou e me fez uma pergunta. Mas eu simplesmente não conseguia ouvir mais nada. Eu via os lábios dele mexendo, vi que estava falando comigo, me esforcei muito pra entender, mas não adiantou. Tudo o que eu ouvi foi um som distorcido e que parecia bem distante. Era como se alguém girasse um disco na vitrola no sentido contrário e em baixa rotação. Não estava mais raciocinando direito nem compreendendo nada. Fiquei ali imóvel e acho que ele percebeu que eu já estava na “burracheira”, nome que eles dão para o efeito do chá no corpo.
Do inferno ao céu
Ali, eu percebi que eu não tinha a menor noção do que estava experimentando. Sentia minha mente cada vez mais longe e as visões vinham com cada vez mais força. A sensação era que meu espírito tinha se deslocado do meu corpo.
A primeira reação foi de pânico, seguida de arrependimento. Me perguntava “por que diabos aceitei tomar esse chá? Onde isso vai parar? Como você é ingênua! Quanto tempo vou ficar assim?”. Eu suava frio. Olhava as pessoas se levantando para ir ao banheiro e caminhar e não entendia como aquilo era possível. Eu não conseguia me mexer. Falar então, nem pensar. Fiquei com muito medo.
Mas, enfim, eu já tinha tomado o chá e sabia que o efeito durava umas quatro horas. Precisava me acalmar. Comecei a respirar fundo uma, duas, dez vezes. Rezei pro meu anjo da guarda. E aos poucos, fui relaxando e me acalmando.
E junto com o calma, algo muito mágico aconteceu. Comecei a ouvir uma voz dentro de mim, que não era a voz desesperada da minha mente. Era uma voz tranquila, doce e ao mesmo tempo firme. Reconheci que era minha própria voz, mas parecia vir de uma versão bem melhorada de mim. Alguém super segura, serena, sem medo. Entendi (não me pergunte como) que era a voz do meu espírito. E ela dizia que eu podia ficar tranquila e me entregar. E foi o que eu fiz.
E aos poucos, veio uma sensação ma-ra-vi-lho-sa de muita paz e, principalmente, de muita presença. Eu não pensava em coisas do futuro ou passado, eu meio que não pensava na verdade. Simplesmente estava ali. E era como se ali fosse o melhor lugar em que eu poderia estar. E aquele momento era o mais incrível que eu poderia vivenciar.
Em vez de ter medo, comecei a aproveitar as várias visões que tinha. Eram muitas composições de cores, formas geométricas. Tudo mais complexo e mais bonito do que minha imaginação seria capaz de criar. Muitos insights e uma conexão absurda com a natureza.
Não entendia o que algumas pessoas falavam, mas as músicas eu ouvia de forma muito profunda e inédita, ao mesmo tempo em que enxergava as ondas sonoras variando de acordo com as notas musicais. Tudo era muito vivo, intenso, sinestésico. E espiritual. Quando tocou uma música em homenagem a Nossa Senhora, meu coração esquentou tanto que ardeu. E meus olhos se encheram de lágrimas de emoção. Foi muito forte.
A impressão que dava era que eu nunca tinha estado com meus cinco sentidos tão aguçados e que estava usando partes do meu cérebro até então nunca utilizadas. Às vezes, as pessoas faziam perguntas – sobre a lua, as estrelas, a vida – e o mestre do grupo respondia. E enquanto ele respondia, aquela minha voz me falava muitas outras coisas, complementando. E eu ouvia muito bem as duas coisas ao mesmo tempo e processava tudo sem confusão.
E assim as horas foram passando e o efeito do chá foi diminuindo. Voltei a me mexer normalmente e, aos poucos, as coisas começaram a voltar ao “normal”. Meu sentimento era de profunda paz e muita gratidão.
Ao final da sessão, teve um momento de partilha. E quando me perguntaram sobre o que senti, disse que tinha sido uma das experiências mais assustadoras e mais incríveis da minha vida. No três dias que se seguiram, me sentia ainda com “super poderes”, ouvindo a voz do meu espírito com muita clareza e facilidade e com a mediunidade muito aflorada.
Entendi que o chá é algo sagrado e que a experiência do ayahuasca é muito profunda e complexa. E que o receio de talvez vomitar ou ter piriri não é nada perto do medo profundo que senti da total FALTA DE CONTROLE. Nossa mente nos controla o tempo todo. E o que o ayahuasca faz é justamente abrir (ou escancarar) a porta para o espírito, nos libertar e mostrar a vida de uma outra perspectiva. Te leva a uma grande expansão de consciência. É como trancar nosso lado racional num quarto e nos levar para um passeio pelo mundo astral. E isso pode ser muito assustador e/ou muito maravilhoso ao mesmo tempo.
Mas por mais que tenha sido incrível a experiência, eu nunca mais tomei. Por vários motivos. Porque não voltei mais pra floresta, porque dá medo agora que sei o quão profunda é a experiência. E, principalmente, porque senti que pra mim o chá poderia ser quase um atalho para alcançar um êxtase espiritual. E senti que era importante que essa não fosse a única forma de chegar a esse lugar de plenitude, onde eu pudesse ouvir meu espírito de forma tão clara e fácil.
Sou muito grata pelo caminho que o chá me mostrou. Foi tudo muito inspirador e fundamental para que depois eu conseguisse acessar esse espaço sagrado dentro de mim utilizando outras ferramentas como a meditação, a leitura de aura, a dança, o encontro com mestres espirituais, entre outros. E, principalmente, foi um importante passo para eu (começar a) perder o medo da falta de controle.
Comments (10)
Que experiência encrível voce viveu, admiro sua coragem e determinação na procura de voce mesma, mas fico feliz com suas descobertas, vale muito tudo que tem passado, pois sinto que voce esta muito mais tranquila, madura e satisfeita.
Parabéns Dé e muitas outras realizações nesta sua existência, que seja uma caminhada sempre muito iluminada.
Que Deus e Universo conspire a seu favor.
bjs
Gratidão por compartilhar sua experiência Débora. Eu participei de uma cerimônia uma vez, foi simplesmente maravilhoso, no entanto a própria planta disse para mim que este não é o caminho. Na realidade é uma medicina.
Assim como você tenho guardado no meu coração o que vivi e o que curei e assim como você tenho certeza de que não voltarei a usar.
Sinto que nenhuma droga deve servir de caminho espiritual, pois vira escravidão e o caminho espiritual é da liberdade.
Namastê
Boa tarde, ainda que dois anos depois, gostaria somente de fazer uma observação: Não se trata de uma droga. É um chá, totalmente natural que funciona como expansor de consciência.
Paz
Olá Amanda! Eu sinto que a Padmini fala de droga no sentido de ser um remédio, algo para um tratamento. E não droga no sentido de substâncias ilícitas.
Obrigada pelo comentário. Abs
Deborah! Foi muuuuuuito similar a minha primeira experiencia! Foi primeiro entrar no inferno do panico para depois sentir tanta luz e esse dia me encontrei com meu espirito!
Eu tenho muito interesse em me abrir espiritualmente, mas a minha consciência é realista e acabo não conseguindo por muitas vezes. Tento por conta própria, mas estou tendo dificuldades, se você pudesse me indicar as pessoas que você encontrou aqui em Manaus, ficaria muito agradecido. Meu e-mail é aguiar521@gmail.com
Quero muito ter essa experiência. Meu coração grita. Fevereiro vou lá.
A Udv existe em quase todo o Brasil. VC PODE REVIVER ESSAS COISAS BOAS DE NOVO
Amei o seu relato, foi muito parecido com o que eu senti…
Xingava mentalmente minha amiga por ter me levado até lá e me xingava por ter tomado. Apesar disso tomei a segunda dose, que veio acompanhada das mesmas sensações ruins iniciais.
Durante esse pavor de estar sem controle algum, ouvia vozes que identifiquei como do meu anjo – que chamei o tempo todo – e outras da minha família espiritual sempre dizendo…estamos aqui com você, calma, respira. Você está bem?
Perder o controle é muito difícil, a sudorese, o medo do piriri, o “passar vergonha” em meio às pessoas desconhecidas.
Apesar de tudo, durante o transe eu pensei mais de uma vez, “como pode existir vida depois dessa experiência” – vida comum.
Ela abre inumerosos canais e não conseguimos nos dar conta de quantos foram, mas da intensidade de cada um.
Não é fácil, mas é uma experiência maravilhosa…
Onde que é isso em Manaus?